Carta verde

Daniel e André,


Há dias venho tentando montar um texto que represente, no final, uma esperança. Porque não vejo no direito de esmagar na cabeça de vocês a crença que têm na possibilidade de um futuro. Quando ouço os dois a fazerem planos normais de criança – vou ser isto, vou ser aquilo - , planos que mudam a cada temporada e a cada nova descoberta, me ponho a pensar sobre se esse futuro vai existir. Ou de que modo vocês vão sobreviver.
Quero contar pequenas histórias. O sentido delas será fácil perceber :
Um dia, vocês nem tinham nascido ainda, sua mãe e eu compramos uma chácara. Pequeno pedaço de terra, imensamente verde. Nesse recanto, durante anos plantamos dezenas de árvores, cada uma com carinho e significado especiais.
Lembro, por exemplo, uma viagem que fizemos a Minas. Paramos na estrada, no meio da manhã ensolarada, para que a Bia desse de mamar tranquilamente ao Daniel. Enquanto esperava, saí do carro e deparei, à beira da cerca, com uma árvore inteiramente florida. O chão, repleto de vagens secas. Apanhei várias delas, arrisquei plantar, vingaram, fizemos cercas e manchas de árvores floridas. A imagem que associo a estas árvores é a de alimento, nutrição.
Naquela chácara, havia duas árvores diferentes, com um significado que transcende a tudo : um ipê e um pau-brasil, diretamente ligados à vida de vocês. Quando Daniel nasceu, um amigo chegado levou à maternidade aquele que acabou sendo o presente mais duradouro. Num vasinho, a muda de ipê com um cartão : “ Que sua vida tenha a força e duração desta árvore. “
Quando André nasceu, o avô materno levou a muda de um raríssimo pau-brasil, dizendo :” Que você viva, enquanto ele viver.”
À primeira vista, parecem profecias arriscadas, afinal as mudas poderiam não vingar. Mas a um olhar mais profundo, os dois presentes revelaram a imensa confiança que alguns homens têm na natureza e no que vem dela :o sentido de vida, eternidade, permanência e continuação.
As árvores , meus meninos, desde o início do mundo tiveram o mais importante dos sentidos : o de representar a vida.


Adaptado de : Ignácio de Loyola Brandão. Manifesto Verde.

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